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  • Foto do escritorTiago Araripe

Parceria nascida de livro e cárcere

Atualizado: 10 de fev. de 2021


O compositor, músico, cantor, escritor e produtor musical Eugênio Leandro. (Foto: divulgação)


Eugênio Leandro tem um trabalho singular na música brasileira. Seus sete álbuns já lançados comprovam a força do que produz. Escrevia antes de se lançar como artista. E começou a compor a partir de poemas selecionados em livros escritos por amigos. Não bastassem as características personalíssimas da sua voz e do seu estilo, é um dos precursores no lançamento de álbuns independentes.


Quando eu estava iniciando, aqui no blog, a série da respeito de parcerias, ele me apresentou um documento sonoro que vale escutar com atenção. É a entrevista concedida a Ruy Godinho, em setembro de 2020, no programa Então Foi Assim - Os Bastidores da Criação Brasileira, produzido pela Abravídeo.


Ali Eugênio Leandro conta sua trajetória nas letras e na música, além de falar do seu processo criativo e de revelar interessantes histórias de parcerias com autores como Márcio Catunda, Oswald Barroso e Petrúcio Maia. Tudo devidamente ilustrado com as gravações originais das respectivas canções.

A entrevista é muito bem conduzida por Ruy Godinho, que extrai conteúdos saborosos do artista. Dela, selecionamos dois trechos, aqui transcritos o mais literalmente possível. No primeiro, Eugênio Leandro conta como se valia dos livros para fazer as primeiras (e não só) composições. No segundo, revela os bastidores que resultaram na música Consolança, que fez a partir de um poema escrito por Oswald Barroso quando este se encontrava preso por motivos políticos. O poema foi publicado no livro Poemas do Cárcere e da Liberdade (edição do autor, 1979), enquanto a música integra o álbum independente Além das Frentes (1986).


É uma oportuna lembrança a publicação do relato dessa parceria, quando permanecem atuais as palavras do poeta Oswald Barroso:


"Mas, se cortaram

O pé de juazeiro

Menina não chore

Se mataram o sabiá,

Não chore não

Pois inda resta o sol

Banhando o milho"...


Com você, leitor, Eugênio Leandro.


 

“TINHA MUITO MATERIAL PARA EU ACHAR OS POEMAS CERTOS”


“Quando eu parti pra compor mais sério, aí sim, eu comecei esse processo de procurar os poemas dos parceiros nos livros – aquelas letras dos poemas que diziam mais do que eu queria para uma possível canção. Já abri o livro com essa vontade, né? Então muita coisa surgiu assim. Vontade de tocar, senta ali na mesa, abre o livro que você tem em vista, vê aquele poema, faz um teste ali, um primeiro ensaio, sai cantarolando e vai encaixando e tal. Às vezes vem tão... Você canta o poema, assim, inteiro, de uma vez, até sem violão, e depois vai harmonizando, né? Botando no lugar.


É uma coisa muito variada. Eu digo assim, mas fixo nessa história, como eu me acostumei a achar bons poemas, o livro que eu queria dos parceiros que eu queria. Tinha muitas ofertas, muita coisa pra ver. Eu recebia todos os lançamentos, os amigos me davam, ou eu ia atrás. Então tinha muito material para eu achar os poemas certos, né? Era muito variado, mas sempre feliz."


 

“ESSES VERSOS DE CONSOLANÇA FORAM DOS POUCOS QUE

RESTARAM DO QUE FOI APREENDIDO NESSA ÉPOCA DA PRISÃO”


“A Consolança eu passei um bom tempo desconfiado, assim, se era minha mesmo, né? Porque, tão imbuído ali com aquela cantigas de perto, as canções que minha mãe cantava lavando roupa e tal, trabalhando, ou a minha irmã, quando acalantava os irmãos menores, porque ela (a composição) é bem assim, simples, singela, né? Mas apesar dessa singeleza, dos versos, ela tem uma história danada por trás, que são versos do poeta Oswald Barroso, do livro Poemas do Cárcere e da Liberdade. Que ele foi preso político em 69 pela polícia política, é absorvido aqui em Fortaleza pela Justiça Militar, mas cassam seus direitos estudantis, não consegue voltar à faculdade, continua marcado pelos órgãos de segurança. Até que se muda pra Recife. Lá, é sequestrado pelo DOI-CODI de Pernambuco, ficando preso até o final de 75. E diz que esses versos de Consolança foram dos poucos que restaram do que foi apreendido nessa época da prisão. E ele disse que escreveu a partir dum colega de cela que recebia visitas de familiares - a esposa, filhos e tal - e saíam, se expressavam dessa forma, né?: ‘Mesmo se cortarem o pé de Juazeiro, não chore não. Mesmo se matarem o sabiá, não chore não’. Ainda temos esperança, né? A consolança.


Então é uma história muito forte. Foi justamente eu descobrindo os meus parceiros, né? Em Fortaleza, saindo daquela vida diferente de Limoeiro, né?, muito alheio.


Limoeiro era uma cidade reacionária e conservadora, né? Meio de coronel e tal. Então isso tudo era muito velado. Eu mal entendia o que estava acontecendo. E essa descoberta do amigo Oswald, pra mim, foi um lampejo de abertura na minha cabeça, né?, nos meus sentimentos, na minha ação, que me deu muita luz.”


Eugênio Leandro

 

DUAS NOVIDADES



Instante da finalíssima do Festival da Música de Fortaleza 2020.


Em dezembro passado, nossa composição Lugar ao Sol foi premiada em segundo lugar no Festival da Música de Fortaleza 2020, com interpretação marcante de Luiza Nobel e arranjo de Tarcísio Sardinha. No próximo dia 3 de março, estará nas plataformas digitais a gravação original da música, em que canto com a participação especial de uma das mais belas vozes femininas do movimento musical deflagrado pelo Lira Paulistana lá pelos anos 80, em São Paulo. Agora com produção musical e arranjo acústico do recifense Pablo Romeu, diretamente de Roma, e ótima contribuição do tecladista pernambucano Daniel Felix. A mixagem e masterização foi feita em Fortaleza por Anfrísio Rocha.




No site do Festival Jazz & Blues, um dos programas da 22ª edição do evento.


Foi dada a largada do 22º Festival Jazz & Blues, que este ano acontece em novas datas devido à pandemia. Daí o início da programação com cursos e palestras gratuitos transmitidos pelo YouTube no formato de lives. A convite de Maria Amélia Mamede, a Maru, participarei da mesa-redonda acima, no próximo dia 11, quinta-feira. Estarão comigo dois craques: a artista Marianna Leporace e o flautista e professor de música Heriberto Porto, que fará a mediação, De antemão, aviso aos navegantes: não sou nenhum expert no(s) assunto(s). Portanto, falarei basicamente da minha experiência em lidar com o gerenciamento da carreira musical.

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