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  • Foto do escritorTiago Araripe

"Comentário a respeito de John" - A origem do hit de Belchior.


Eu e José Luiz Penna, em foto rara de show do Papa Poluição em São Paulo.


José Luiz Penna é um dos meus parceiros mais antigos e com quem produzi mais canções. Durante os cinco anos de intensa atividade do Papa Poluição, parte considerável do repertório do grupo é de nossa autoria. Poucas dessas músicas foram gravadas, e se algumas estão no YouTube é graças a postagens avulsas de fãs, que depois organizei numa playlist do meu canal.


Importante dizer que ele sempre foi a cabeça mais política do grupo, sintonizado com o momento do país e com a realidade do mercado de música.


Já se falou do Papa Poluição em outras postagem do blog, mas é sempre bom lembrar que foi integrado também pelo saudoso Paulo Costta, responsável pelos arranjos, voz e guitarra base; Xico Carlos, bateria; Beto Carrera, guitarra solo. Eu cantava e tocava percussão, Zé Luiz cantava e empunhava uma guitarra base de vez em quando. Os baixistas que mais ativamente participaram da história do grupo são Bill Soares, que tocou do compacto duplo e ilustrou a capa, e Cid Campos, presente nas gravações do compacto simples e da trilha do filme Sargento Getúlio.


Mesmo a banda tendo tocado em praticamente todos os teatros da capital paulista, em shows montados a cada ano com repertório autoral, também não há registros em cine ou vídeo desses momentos, salvo a possibilidade de emissoras de TV como a Bandeirantes ou a Record terem, nos seus arquivos, a nossa participação em alguns de seus programas.


No entanto, uma boa notícia. Recentemente, em contato com o cineasta e músico André Luiz Oliveira (diretor do festejado Meteorango Kid: Herói Intergaláctico), ele me informou que tem os negativos de uma apresentação que fizemos na Igreja do Calvário, em São Paulo. Ficamos de estudar a possibilidade de fazer clipe póstumo da banda, ao som de um fonograma raríssimo da RGE, em que cantamos o frevo pop Coração automático, outra das minhas parcerias com Penna.


Um dos hits nos shows do Papa Poluição era a canção John, de autoria de José Luiz. Ao fazermos a abertura de uma sequência de shows de Belchior* no circuito Sesc de São Paulo, todos com lotação esgotada, Bel ficou encantado com a música e propôs a Penna adicionar alguns versos à letra.

Assim surgiu a parceria entre os dois que resultou em Comentário a respeito de John, um dos grandes sucessos de Belchior.


O motivo que determinou a composição original, no entanto, vem de uma história ocorrida na década de 1970 e ainda não tornada pública. Ninguém como o próprio José Luiz Penna para contá-la aqui. A meu pedido, ele escreveu os dois textos abaixo. No primeiro, fala de algumas de nossas parcerias para o repertório do Papa Poluição. No segundo texto, revela como se originou a música que viria a se tornar, anos depois, Comentário a respeito de John.


 

"NÃO FIZEMOS APENAS ALGUMAS PARCERIAS.

CONSOLIDAMOS O FATO DE SERMOS, PARA SEMPRE, PARCEIROS."


"Por uma provocação sua, revisitei canções e vivências num vasto espaço de tempo especialmente tenebroso da ditadura militar brasileira. Porque uma parceria - ou algumas - não define claramente o que vivenciamos. Ser parceiro é tentar traduzir, sem perder a ótica própria, o momento da vida nesse encontro. Eu muito abalado pelo estado das coisas, e você com a energia de quem quer começar. Isso produziu luz própria sobre aquela realidade.


A vela branca da trégua. A língua viva do dragão, no meio da calmaria, puxando tudo pra traz, puxando tudo pra traz, pra essa escuridão, dizíamos na Guerra fria de um cotidiano asfixiado.

Não. Não vou citar caso a caso. Seria maçante. Mas não posso deixar de comentar o incômodo do nosso produtor de então, Reinaldo Barriga: “Não entendi nada dessa letra. Mas pra mim é subversiva.” Claro. Falávamos da censura e da opressão. “Com essa roupa de astronauta chupando mangas na feira”, da música Inferno da criação.


Também passeamos sobre nossas origens nordestinas em Rola coco, em casos de amor, Nunca mais, Ellen. E sobre a caretice do verso conservador, em Estrela de xerife, fulminando o bom gosto de forma jocosa.


Então, não fizemos apenas algumas parcerias. O que não significa ser melhor ou pior. Consolidamos, isto sim, o fato de ser, para sempre, parceiros."

 

"UM ATOR QUE FAZIA COMIGO O MUSICAL HAIR, EM SURTO PSICÓTICO,

ME REVELOU ESTAR CONECTADO NA FREQUÊNCIA DE LENNON."


"Não sou contra as interpretações pessoais sobre qualquer obra. As vezes são frustrantes as revelações dos autores. No caso em voga, Comentário a respeito de John foi uma tentativa de cura, pois de médico e louco todos temos um pouco.


Um ator que fazia comigo o musical Hair, na década de setenta, em surto psicótico, me revelou estar conectado na frequência de Lennon, recebendo mensagens constantes e exaustivas, sem que conseguisse relaxar. Fiquei penalizado e resolvi, à minha maneira, tentar ajudar. Fiz uma cancão-oração pra que a gente cantasse repetidas vezes, e assim fizemos sem qualquer resultado: o amigo se suicidou anos depois.


Meu amigo Belchior fez-se co-autor ao trocar frases do próprio Lennon - como ”Pra que tudo recomece, basta que eu mostre o nariz” , que substituiu por ”Sonho, escrevo em letras grandes pelos muros do país” -, melhorando e dando amplitude ao comentário.


De Bel, tenho agradecimento e saudade."


José Luiz Penna

 

*BELCHIOR, UM ARTISTA DISCIPLINADO.


Tenho boas recordações da convivência com Belchior. Eu o conheci no apartamento do compositor e músico Marcus Vinícius, numa noite fria do inverno paulistano. Ao entrar, estava na sala um sujeito alto e encorpado, de barba, com gorro e casacão felpudo que lhe ia até as canelas, fumando fleumaticamente um cachimbo. Imaginei um imigrante de algum país remoto. Um russo, talvez. Só quando começou a falar identifiquei, de imediato, o sotaque cearense. Lembro de duas de suas músicas, que cantou na ocasião: Apenas um rapaz latino-americano e Como nossos pais. Não fiz a menor ideia da projeção que teriam.

Depois, quando eu já integrava o Papa Poluição, nos aproximamos. Era uma pessoa disciplinada. Costumava ser o primeiro a chegar ao teatro, para sentir o ambiente. Muitas vezes, depois da passagem do som, preferia ficar no camarim até a hora do show, diferente da maioria dos artistas e músicos que conheço, que optam por se preparar em casa e chegar ao teatro poucos minutos antes do espetáculo. Alimentava-se frugalmente e parecia não sentir fome. É o que pude perceber quando almocei com ele certa vez, no Bixiga.


Tinha um escritório bem instalado na Av. Brigadeiro Luiz Antônio, que cheguei a conhecer. Num dos meus aniversários, houve uma festa meio improvisada com os amigos. Eu morava num sobradinho de fundos da rua Wisard, na Vila Madalena. Havia muita proximidade entre os artistas que viviam ou simplesmente circulavam no bairro. Em momentos distintos, vi chegarem à festinha duas pessoas que me causaram feliz surpresa. Um era o grande músico Paulo Moura. O outro, Belchior.


Seja onde estiver, um abraço, Bel.


Tiago Araripe


 

PRÓXIMA QUARTA-FEIRA


Lançamento do novo single

Quando: 3 de março

Onde: Nas plataformas de música

E mais: Lançamento de clipe no canal de Tiago Araripe,

com direção do fotógrafo e videomaker Augusto Pessoa.


Ficha técnica

Vozes: Tiago Araripe e Vânia Bastos

Arranjo, violão: Pablo Romeu

Piano: Daniel Félix

Mixagem, masterização: Anfrísio Rocha

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