Tiago Araripe

3 de out de 20222 min

O novo filme de Rosemberg Cariry, no olhar de um cinéfilo amador.

Cartaz de divulgação
 

 

A cada filme de Rosemberg Cariry é perceptível o quanto o diretor evolui no domínio da arte que escolheu como expressão de visão de mundo.
 

 
Não é diferente em Os Escravos de Jó, a que tive a honra de assistir em primeira mão.


 
Ali estão referências ao próprio cinema, desde um primitivo (e lúdico) praxinoscópio a recortes de obras de grandes diretores como Buñuel, Resnais e Godard, passando por fragmentos de documentários, imagens fortes que alinhavam a narrativa.


 
O enredo tem como principal ambientação a cidade de Ouro Preto, ponto de confluência de aspectos da cultura popular local, como congadas e a arte do barroco mineiro, dialogam com formas globais de expressão, como a poesia andaluz e o próprio cinema, numa integração possibilitada pela tecnologia que expande o alcance da aldeia, das causas sociais às buscas pessoais.
 

Ao contraponto da cultura popular com novos meios de comunicação, somam-se diversos outros contrastes. Há a busca de respostas no passado, ao mesmo tempo que se vislumbram perspectivas para o futuro.
 

 
Há os encontros e desencontros dos personagens, marcados ora pelo preconceito, ora pela tolerância.
 

 
Tem a delicadeza da arte confrontada com a brutalidade da guerra, numa justaposição de humanização e barbárie, vistos ora no preto-e-branco documental, ora no colorido lirismo de obras de Mestre Ataíde e outros artistas barrocos.
 

 
O próprio filme exala lirismo, mesmo à sombra de tantos fantasmas de contradições históricas.
 

 
Outro paralelo importante se dá entre o restauro de obras barrocas e a restauração de afetos e de rumos – seja em histórias pessoais, seja em vivências coletivas.
 

Da história de Jó, narrada por um dos personagens, desponta a grande dúvida existencial numa pergunta feita a Deus por um dos escravos daquele admirável homem. Sábia decisão do diretor, deixar que o espectador encontre sua própria resposta.

Uma surpresa é guardada para o final, acentuando um dos principais contrapontos do filme. Mas fique tranquilo, leitor. Não darei spoiler.

Também ao fim e ao cabo, uma velha mina de ouro, explorada com mão de obra escrava e hoje atração turística, ganha ares de caverna de Platão, numa simbologia a apontar que, em essência, a grande batalha humana é aquela travada dentro de si mesmo.
 

 

 
Tiago Araripe
 
Bombarral, PT, 03.10.2022

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